Neste primeira série de episódios, bato um papo com Camila Geroto, bailariana e professora, sobre o início da aprendizagem em dança: expectativas, dificuldades, sonhos e contextos.

 

 

 

 

Minha iniciação em Dança por Andrea Thomioka

Eu tinha 3 anos, numa época em que ser criança não tinha tanta nomenclatura. A razão da minha família decidir me colocar no ballet? Muito simples: Eu não parava quieta – hiperativa para os dias de hoje – e uma santa professora de dança começou a dar aulas na EMEI em que minha irmã (3 anos mais velha) estudava.

Nesses tempos e eu fiz um monte de coisa: ballet, jazz, natação, basquete, vôlei, futebol, escotismo, corte e costura, teatro e curso de modelo e manequim. Tudo, sempre, sob duas condições: “a escola é prioridade” e “se for pra fazer, é pra fazer bem feito”! Nunca fui pressionada em ser “a melhor”, mas papai deixava bem claro sobre o investimento não só financeiro, mas – principalmente – de tempo e energia de todos os envolvidos e que isso gerava responsabilidade nas minhas escolhas e
nos compromissos que eu assumia.

Com o passar dos anos, de todas as coisas que eu fazia, no mesmo tanto tempo, foi ficando só a Dança. Durante a infância o ballet era onde eu me encontrava com Fadas (minhas professoras), onde eu acessava meu próprio mundo fantástico, onde eu podia dançar ‘meus passos de dança’ de forma organizada, onde eu tinha amigas iguais a mim, onde tocava músicas lindas e eu podia não enxergar: carros, asfalto, prédios e concreto.

Depois de um tempo foi o lugar onde eu fugia das minhas estranhezas, dos meus conflitos fantasticamente tão reais, onde eu me encontrava com amigas tão diferentes, onde as histórias e personagens substituíam os meus problemas e a música me compreendia como ninguém. Nessa época, a minha dança falava o que eu não conseguia dizer numa adolescência em que me sentia não pertencer ao espaço e tempo.

Meus professores, em todos os períodos de diferentes formas, foram referências do que “queria ser quando crescer”. Eu não tinha discernimento do conhecimento de cada um, mas eram as pessoas que me permitiam Dançar, e isso, era a minha única certeza de ‘ser para sempre’!

Nunca fui um ser humano fácil, desde criança… Minha mãe que o diga! Mas sei que a Dança, juntamente com minha família e todos que passaram (mestres, professores, colegas e amigos) foram fundamentais na formação de meu caráter, personalidade e convicção em seguir bons princípios morais e éticos. Hoje, adulta, eu sei que os tempos são outros, as pessoas e rotinas são outras, a metodologia de ensino deveria ser outra também (e É para os que estudam de verdade e não só replicam formatos aprendidos em outras épocas) e a Dança flui em mim de forma que não mais através do meu corpo. Porém,  continuo com a certeza de que a Dança ainda é uma forma de transformar pessoas em seres humanos especiais, através da descoberta das potencialidades, do fortalecimento individual para a superação de limites, da
consciência das próprias qualidades e por proporcionar a cada um viver o mundo de maneira poderosa, porém sensível e criativa.

Você já dançou ou fez alguém dançar? Por que não? Porque sim!

Minha iniciação em Dança por Camila Geroto

Era tudo muito óbvio: menina de 3 anos, tutu rosa, ballet, como tantas outras. Por que colocar no ballet? Porque sim. Porque era menina. Se fosse menino, futebol, provavelmente.

Para a menina em questão, era diversão, com algo de responsabilidade. Lembro de sentir a preocupação em entrar no palco, em garantir que todas as colegas estivessem na fila certa, que a menor da turma não se perdesse em cena…

Até que virou obrigação demais. A memória aqui falha, mas eu lembro que queria brincar e ballet não parecia brincadeira. No dia de avisar a professora que eu não faria mais as aulas, lembro da frase, que depois seria repetida tantas e tantas vezes: “mas faz tão bem pra ela, com esses pézinhos virados para dentro!”

Mas nunca parei de dançar ou de gostar de dançar e voltei para as aulas. “Você vai entrar e não vai sair mais, tá bem?”. Tá bem. Entrei e não saí até hoje.

Os pézinhos continuavam virados para dentro mas agora com termo técnico e tudo. “Você é en dedans”. E assim eu crescia na dança, crescia bastante, aliás. Categorias muito claras e definidas, pouco espaço para discussão: alta demais para saltar, vai fazer adágios, é en dedans, mas muito dedicada, ótima memória, fica na frente nos exames.

Não tinha espaço para as metas também: o corpo do ballet era aquele da bailarina russa, era distante e, com certeza, não era o meu. Não faltava vontade, nem tempo, para a dedicação, mas como alcançar um resultado tão específico e, por isso, tão abstrato?

Nas aulas, o sentido de repetição, não só dos exercícios, mas do “ballet é assim mesmo, dói, é difícil” e do “sempre foi assim”. “O exercício do mestre fulano”, “como dizia a dona ciclana”. Cravado, sólido, mais rígido do que o coque em dia de espetáculo.
Foram anos de uma contradição permanente de olhar para um corpo que não me pertencia e ao mesmo tempo de sentir que eu não poderia pertencer a outro lugar que não fosse ali. Na hora de escolher faculdade, claro, foi o curso de Dança. Quando chega a prova de aptidão, mais uma etiqueta, inquestionável: “Bailarina clássica, não é?”.

Foi um tempo de me sentir sem chão, onde é que estava essa dança que eu achava que fazia tanto sentido pra mim? A vida acabou me levando do interior para a capital, a vontade (e teimosia) não me deixaram fora da sala de aula e a sorte me aproximou de pessoas que reabriram portas e caminhos.

E entre uma aula e outra, com a sede de sempre saber mais, fui estudando anatomia, cinesiologia, técnica clássica de diferentes escolas e com diferentes professores. Com mais informações, mais comparações, e essas iam gerando novas sínteses. Pensar sobre mim por mim mesma. Como podiam dizer que eu não tinha corpo para dança se, oras, eu tinha um corpo e estava dançando, afinal?

Aos poucos ir sentindo fisicamente que a dança é processo. Estudar muito, ter ousadia de questionar o que foi dado como verdade absoluta, buscar evidências no corpo, meu e dos outros. Testar, tentar, errar muitas vezes, acertar outras tantas, sem me conformar.

Eu nunca iria dançar em uma companhia profissional de ballet clássico, isso estava claro há tanto tempo, mas eu poderia estar ali dançando. Eu poderia estar pensando o ballet, atualizando, formando, abrindo portas, como abriram pra mim.
Estar em sala de aula como professora me fez ver o outro lado e a responsabilidade dele. Carregar a minha bagagem, sem rancor mas com olhar crítico e consciente do que deve ser mantido e o que pode ser mudado. Hoje parece tão óbvio, mas levou mais de 20 anos, para entender, no corpo e na mente, que, se dança é movimento, assim o é seu aprendizado.


Camila Geroto é bailarina clássica formada pela Escuela Nacional de Ballet de Cuba, pela Royal Academy of Dance (Grade VI) e pela ETEC de Artes – Parque da Juventude. Iniciou seus estudos em dança com a professora Kátia Bueno e jazz com a professsora Heleonora Lucas em  Amparo/SP. É formada em Metodologia pela maestra Ramona de Saá da Escuela Nacional de Ballet de Cuba e em método russo (Vaganova) pela professora Cleide Makena. Participou no exterior do Etage de Danse Classique “Theilaia” em Lyon/França.

Comments (4)

  1. Amalia Thomioka

    Responder

    É sempre bom ouvir experiências de vida…..
    Para os “novos” pequenos grandes bailarinos, a voz da experiência e bem vinda.
    Gratidão…

  2. Leila

    Responder

    que felicidade ver esse trabalho apaixonado, organizado e competente <3
    muito grata de conhecer melhor a trajetória dessas duas profissionais
    parabéns!!

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